Há uma alegria especial – erótica, civilizada, política – em um grupo de analistas se dedicar a uma clínica social que se desenvolve em um espaço público de nossa cidade. A psicanálise se fortalece quando explora contextos diversos e visita diferentes realidades. O projeto Vila Itororó Canteiro Aberto, com seu caráter participativo e criativo, acolheu generosamente uma nova geração de psicanalistas comprometidos com a vida social. A convite da artista Graziela Kunsch, que pesquisa os impactos humanos e políticos da gentrificação na Vila, surgiu a proposta de um trabalho clínico mais profundo, ligado às necessidades da comunidade local e à história do lugar.

A Clínica e Seus Objetivos

Os psicanalistas da Clínica Pública de Psicanálise estão dedicados a desenvolver uma clínica social contemporânea, integrada às práticas criativas e políticas do espaço da Vila Itororó. Este encontro interdisciplinar busca um sonho coletivo mais amplo, com a clínica aberta, gratuita e contínua, alinhada à vida pública que a Vila sustenta. O grupo de psicanalistas busca entender e acompanhar os impactos inconscientes dentro do grupo e na interação com a comunidade, propondo uma intervenção múltipla onde vários analistas atendem uma mesma pessoa em tempos diferentes.

Sustentabilidade e Inovação Clínica

Com essa perspectiva, tornou-se possível sustentar um campo clínico concebido para existir por um tempo indefinido. A psicanálise sempre teve como desafio abrir seu dispositivo clássico, movendo-se além do atendimento individual e particular. Muitos psicanalistas ao longo da história se dedicaram à democratização da psicanálise e ao direito universal à saúde, como evidenciado pelas iniciativas de Abraham, Reich, Winnicott, Bion, Pichon Rivière, Bleger, Anzieu, Kaës, Guattari, Mannoni e os grupos Balint, entre outros.

Ação Coletiva e Revitalização do Espaço Público

O trabalho na Vila Itororó reafirma esse desejo antigo do movimento psicanalítico. Além da produção social da clínica, é crucial revitalizar e fundar dispositivos de ocupação do espaço público, especialmente em tempos de desafios simbólicos e políticos em nosso país. O grupo de psicanalistas acredita na necessidade de espaços públicos vivos, tanto em nossas cidades quanto dentro de nós.

Descrição do Projeto e Envolvimento Comunitário

A experiência piloto de uma Clínica Pública de Psicanálise no galpão do projeto Vila Itororó Canteiro Aberto, com atendimentos individuais gratuitos, pretende ampliar, para além das práticas artísticas, a noção de cultura e o que se espera de um centro cultural. A proposição partiu da artista Graziela Kunsch, responsável pela formação de público da Vila Itororó, junto aos psicanalistas Tales Ab’Sáber e Daniel Guimarães. Trata-se de mais um experimento no canteiro de obras (que vem se somando a outros experimentos) com o intuito de abrir novas perspectivas para o futuro da Vila.

Contexto Histórico e Reflexão

A clínica nasceu de uma reflexão profunda sobre as transformações radicais que a Vila Itororó enfrentou ao longo dos anos, marcadas por diversas violências:

  • Violências do Planejamento Urbano: A canalização do rio Itororó e a construção da Avenida 23 de Maio alteraram significativamente a paisagem e a vida na Vila.
  • Violências das Políticas Habitacionais: A retirada dos moradores originais causou desestruturação social e afetiva.
  • Violência do Mercado Imobiliário: A expulsão econômica das populações mais pobres do bairro devido à valorização imobiliária.

O projeto da clínica surgiu com o objetivo de atender ex-moradores da Vila Itororó, mas os horários de plantão foram estabelecidos para estender os atendimentos a um público mais amplo.

Estrutura e Funcionamento da Clínica

A equipe atual da Clínica Pública de Psicanálise é composta pelos psicanalistas:

  • Ana Carolina Santos
  • Camila Bassi
  • Camila Kfouri
  • Dafne Melo
  • Daniel Guimarães
  • Fernando Pena
  • Flavio Bacellar
  • Frederico Tell Ventura

A artista Graziela Kunsch também faz parte do grupo, que recebe supervisão clínica de Heidi Tabacof e Maria Silvia Bolguese. Nos primeiros seis meses de existência, a equipe de atendimento incluía Anne Egídio, Carolina Binatti, Daniel Guimarães, Fabricio Brasiliense, Patricia Gertel Nogueira, Ricardo Cavalcante, e Tales Ab’Sáber, que atuava como supervisor.

Motivação e Sustentabilidade

Os psicanalistas participam do projeto movidos por um desejo político e como parte de sua formação, recebendo uma ajuda de custo equivalente a um bilhete mensal de transporte. Isso facilita a presença dos profissionais na clínica e contribui para a sustentabilidade do projeto.

Perspectivas Futuras

Com a expansão da clínica, há a visão de que este experimento possa ser realocado para uma das casas da Vila Itororó, tornando-se uma parte ainda mais integral da vida comunitária e cultural do local. A proposta visa transformar a clínica em um espaço permanente de acolhimento e apoio psicanalítico, reforçando a importância de espaços públicos acessíveis e integrados à comunidade.

Conclusão

A Clínica Pública de Psicanálise na Vila Itororó Canteiro Aberto exemplifica como a psicanálise pode ser um instrumento poderoso de transformação social e cultural. Este projeto inovador não apenas oferece atendimento psicanalítico gratuito, mas também contribui para uma cidadania mais inclusiva e participativa, promovendo a saúde mental como um direito universal.

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